sexta-feira, 19 de julho de 2013

Roda de conversa


O projeto Cultura a História do Meu Bairro promoveu uma Roda de Conversa com alunos da Escola Estadual Leandro Antônio de Vito, participante do projeto. O encontro foi na casa de uma das moradoras do bairro pesquisado (Jd. Bela Vista). Veja um trecho, com a participação dos alunos, da professora Ana Maria, a coordenadora do Projeto Tamires Barbosa, dona Nazie e dona Dalva. 



Tamires: Qual o nome de vocês e há quanto tempo vocês moram no bairro?
Nazir de Souza Dantas, 45 anos que eu moro aqui no bairro.
Dalva de Souza Barbosa, 45 anos.  
Tamires: O que vocês acham do bairro? Principalmente se você considera um lugar legal pra se viver ou se tem alguma coisa que interfere...
Dalva: Eu acho aqui um lugar bom de viver, só que demorou muito pra expandir. É tranquilo. Por causa da linha do trem de ferro, então ele demorou muito pra poder expandir, evoluir e crescer.
Ana Maria: Apesar do trem de ferro ser um progresso para Uberaba pra questão de bairro principalmente porque a linha passa aqui em volta do nosso bairro, ele atrapalhou um pouco, porque pra construir próximo infelizmente ainda não tinha sido liberado. Agora que foi liberado um conjunto aqui. 
Dalva: Agora depois de 50 anos né foi liberado esse conjunto e mesmo assim ele não vai crescer muito por causa das bombas do rio que não pode chegar até embaixo. 
Ana Maria: É verdade causa danos nas casas, principalmente a questão da pedreira que é um lugar próximo, que pega aqui, e quando eles vão explodir causa rachadura nas casas e isso não possibilita...
Dalva: Nem a linha do trem, porque quando ele passa muito pesado, as casas racham, por isso que não cresce muito. Mas é um bairro tranquilo.
Tamires: Conta pra gente como foi, quando vocês vieram morar aqui. Quando vocês chegaram aqui, vocês pagaram o terreno e construíram a casa? O que tinha?
Dalva: Não tinha nada, tinha mato.
Ana Maria: Aqui era uma fazenda, o que era, vocês tem noção do que era?
Dalva: Não, aqui era loteamento.
Nazir: Era loteamento, não tinha nada, só mato.
Ana Maria: Vocês compraram isso aqui de quem?
Nazir: Do Edgar. 
Aluno: Vocês tem noção de quem é esse Edgar?
Dalva: Nós sabemos, ele é daqui do bairro. Ana, você deve saber. Porque você é daqui do bairro não é?!
Ana Maria: Sou da rua, mas eu to aqui há 20 e poucos anos, metade do que vocês moram, então eu não tenho noção do que aconteceu antes. Quando eu mudei pra cá, tinham poucas casas também, eu vinha poucas vezes aqui porque eu morava fora, o acesso era só na Luxemburgo e o ônibus era na João Pinheiro, dava a volta e virava aqui e ia pra outros conjuntos, outros lugares.
Dalva: E quando a gente chegou o acesso era só na João Pinheiro, na escola Fidélis Reis, ali era o último ponto de ônibus, o ônibus vinha só até ali.
Tamires: E não tinha asfalto, não tinha nada...
Dalva: Era terra...
Nazir: Terra, buraco, cheio de buraco.
Ana Maria: E formas de trabalho, qual era a forma de trabalho, emprego aqui?
Dalva: Tinha o produto Ceres, tinha o curtume, a fábrica de papel, fechou e eu ainda era pequena. Então era o Ceres e o Curtume. 
Tamires: Conta vó, pra gente, que o meu vô trabalhou lá né.
Nazir: Ele trabalhou no Curtume e no Ceres.
Ana Maria: E o trabalho do Curtume, como que é realizado?
Nazir: Lá eles mexiam com couro, essas coisas assim, couro, sola.
Aluno: E o Ceres?
Nazir: O Ceres era com milho, soja, barra de sabão e óleo.
Tamires: Mãe, a gente fez entrevista com um rapaz e ele contou pra gente que o sabão do produto Ceres que escorria...
Nazir: Jogava nos buracos e a gente ia lá buscar o sabão 
Dalva: Eles jogavam fora e todo mundo ia lá catar o sabão, a gente ia com a latinha, pegava o sabão e terminava em casa.
Aluno: E vendia o sabão?
Dalva: Não ficava pra nós, pro nosso uso. 
Tamires: Até hoje aqui em casa, de vez em quando, minha avó faz sabão caseiro. 
Ana Maria: Nós também estamos querendo saber a questão de festa no bairro. 
Tamires: Vó conta pra gente da Festa de Reis.
Dalva: Festa no bairro é a Festa de Reis e da Igreja Nossa Senhora das Graças e agora tem a igrejinha.
Ana Maria: E agora quase paróquia né? Nós temos aqui no bairro a quase paróquia que está sendo desmembrada da Igreja Nossa Senhora das Graças. 
Dalva: Isso ai eu não sabia, porque eu quase não frequento. 
Aluno: Aqui tem muito mato, vem muito bicho pra cá? Quando termina as ruas tem mato.
Dalva: Tem, mas não vem muito bicho pra cá, os bichos que tem são dos vizinhos que não limpam quintal mesmo.  Aqui em baixo era uma fazenda, esse pedaço que tá sendo loteado, a avenida das torres que vai cair na Leopoldino de Oliveira, era uma fazenda. 
Ana Maria: E você sabe de quem que é essa fazenda?
Nazir: Do Edézio Borges.
Tamires: Vó conta pra gente como é fazer a Festa de Reis?
Nazir:  A Festa de Reias a gente faz, a gente fazia quase todo ano, a gente fazia promessa alcançava as graças e continuava fazendo até terminar. Eram umas festonas. 
Ana Maria: A festa é feita só entre a família, ou outras pessoas podem participar também?
Nazir: Outras podem participar também, quem quiser participar é bem vindo. 
Ana Maria: Vocês têm quantos Festeiros?
Nazir: Nós começamos com 04 festeiros, quando a gente fez a primeira festa era só 04 festeiros e foi aumentando, cada ano aumentava um pouco de gente, e hoje tem quase 20 festeiros. A gente tava no Rio de Janeiro também, e o nosso carro foi roubado lá no rio, tava eu as duas meninas. Ai eles roubaram a gente, e a gente ficou lá doidinha desorientada pra querer vir embora e não tinha como vir, sem dinheiro, sem carro, sem nada. Ai eu peguei e naquele nível de desespero eu ajoelhei no chão e pedi pros Três Reis Santos, que ele me desse o recurso ou me desse o carro de volta, que era a única coisa que eu tinha na vida que era o carro pra eu poder vir embora com as meninas. Quando fez uns 40 minutos a gente achou o carro, um senhor achou o carro e chegou lá de fora e gritou “Naza, Naza, eu achei o seu carro”. Ai a gente desceu correndo naquela alegria, chegou lá foi pegar o carro e ele tava depenado, mas pegamos o carro. Aí a primeira casa de bateria que eu passei, comprei uma bateria, uma bateria de fusca e viemos embora. O trem veio falhando até chegar aqui.
Tamires: Um dia antes a gente tinha ido na praia, a gente tava na casa de uma tia nossa, sabe aquela sandalinha da Xuxa?! A gente tinha, eles levaram a sandália, as nossas roupas todas que ficaram dentro do carro, sandália, tapete, foi tudo, não sobrou nada. Só sobrou o carro, mas a gente conseguiu voltar.
Nazir: Conseguiu, graças a Deus, conseguiu.  Ai eu cheguei aqui em Uberaba fui cumprir a promessa né, fui tirar esmola, pedir pelo amor de Deus, ajoelhar nas casas, eu passei vergonha demais, mas foi alcançada a graça. 
Ana Maria: Isso é uma das dificuldades, eu tenho um voto e estou cumprindo este voto, pedir é você passar uma vergonha, é humilhante, as pessoas fazem comentários “Você tá pedindo é pra você comer” e elas não falam pra você, mas falam pra outros e isso chega até o ouvido da gente infelizmente. Mas isso tudo a gente tem relevar, porque o que vale é o coração da gente. Eu tenho que fazer uma cesta básica, são nove cestas, mas eu não posso comprar tenho que pedir, porque o objetivo é esse, pedir para doar.
Tamires: O tio Gilberto saia pedindo esmola pras festas no bairro inteiro.
Nazir: O Gilberto meu irmão saia, ele ia com um saquinho nas costas e pedia pra todo mundo, e ele ganhava, ganhava tanta coisa que quase que dava pra fazer a festa inteira, ficava só pra comprar doce, mas até doce o menino ganhava na época e ganhava muito. 
Ana Maria: Hoje tem muitos ramos de religião, e as pessoas vão se dispersando, antes a gente fazia procissão, hoje a gente ainda vê aqui no bairro, passa o pessoal que tá fazendo a festa de reis e passa o pessoal da igreja com a imagem da nossa senhora, sendo que aqui perto do bairro nos temos a igreja prebisteriana, temos o centro espírita, nos temos a católica e a questão das festas de reis.
Tamires: Mãe, onde que fica o centro da Maria?
Dalva: Aqui em baixo na rua Islândia, lá é uma umbanda mistura com Kardecista.
Ana Maria: Eu nunca ouvi falar.
Dalva: Aqui na rua Islândia.
Tamires: Ela até faz sopa , acho que todo sábado.
Nazir: Sopa e distribui cesta básica, faz doação de roupa.
Dalva: No bairro ela é a única que eu sei que faz isso.
Nazir: Ela colhe roupa usada das pessoas e reparti pros pobres. Então ela põe lá um monte e cada um tira a que servir.
Dalva: Kardecista, é a Maria e o Fé, amor e caridade, Mas parece que ali eles fazem mais caridade que no fé, amor e caridade.
Nazir: Tem festa das crianças.
Aluno: Ela pede ou pega o dinheiro dela? 
Dalva: Ela pede, ela ganha e faz as doações dela. Teve uma época que eles estavam dando verdura, você ia com a sacolinha e pegava verdura. 
Ana Maria: É eu vejo muita gente passar com latinha.
Nazir: A sopa é uma delicia.
Ana Maria: Uma coisa que eu quero saber, a respeito do folclore do bairro, há respeito de medos, da loira do banheiro, essas histórias são antigas do bairro ou não?
Dalva: Isso é mentira, essas histórias são antigas do bairro, é da minha época né, mas tudo isso é mentira não tem nada disso. 
Aluno: A senhora tinha medo?
Dalva: Não, eu não tinha medo.
Nazir: Ela não tem medo de nada. Se falar que tem um cara com uma carabina, armado, ela vai lá e enfrenta. 
Aluno: A senhora era encrenqueira, briguenta?
Dalva: Era.
Aluno: Mas a senhora apanhava ou batia?
Dalva: Não, não, mas eu não era de brigar de tapa não. 
Ana Maria: Então a senhora acha que a Tamires puxou isso de você, de sair em luta, de brigar por uma sociedade melhor?
Dalva: Eu acho que sim. 
Tamires: Conta pra gente como era essa relação de vizinhança aqui? Aquela história que a senhora conta, que tinha a cerca e que os meninos roubavam a sua galinha...
Nazir: Mas isso ai era os meus sobrinhos mesmo. Aqui era terra e cerca de arame e eu tinha muita galinha e eu tenho galinha até hoje, só que os meus sobrinhos e os meus filhos, eles vinham e roubavam minhas galinhas e levava e fazia na casa da minha irmã, que é aqui do lado, só que eu sabia que eles tavam pegando, só que eu não falava nada. Ai na hora que tava pronto, eles vinham aqui “Mãe, tem galinhada, a senhora quer um pouquinho?” Ai vinha e trazia um pedacinho. Ai quando chegava no outro dia, eu falava assim, “Tá faltando galinha fulando, sumiu” ai eles começavam a rir né.
Tamires: A gente mora aqui, do lado mora uma tia minha e na casa da esquina mora um outro tio.
Aluno: E os vizinhos?
Nazir: É são todos de bom convívio.
Aluno: E a questão da segurança?
Dalva: Não é tão perigoso aqui não.
Aluno: Tem muito bandido aqui?
Dalva: Bandido tem, mas eles acostumam com a nossa cara e não mexem com você.
Tamires: Mas a senhora não acha que teve uma mudança?
Dalva: Os bandidos, eles mudam de bairro, ai eles começam a praticar os roubos deles nos bairros que eles chegaram.
Ana Maria: E ai às vezes até pode fazer alguma coisa.Os que são antigos e são criados aqui no bairro a gente já conhece e então com a gente eles não fazem nada.
Aluno: Aqui tem supermercado, loja, comércio?
Dalva: Não, não tem, só na João Pinheiro. 
Ana Maria: Tem a padaria aqui perto né, que é o mais próximo, que é uma padaria e supermercado juntos. Então é o que a gente utiliza. E tem outros lugares pequenininhos né.  Tem a Dina, que é um bar, do Galego...
Dalva: E aquela dona senhorinha ali...
Ana Maria: Aqui na esquina era um bar, o bar do meu sogro e ele morreu e fechou o bar, não vai funcionar mais.
Tamires: Ai tem os barzinhos..
Ana Maria: A pastelaria que abriu na avenida das torres.
Tamires: Eu tava conversando Ana, ali nessas casas que vão fazer, vai chamar conjunto Edgar em homenagem ao dono das terras.
Ana Maria: Hoje o pessoa tá trabalhando com construção e eles tão trabalhando do Cirella.
Tamires: Aqui no pedaço tem muita gente que veio do Nordeste...
Nazir: É diferente da gente, eles trabalham mais na construção civil.
Dalva: No começo eles mexiam com vender panela e enxoval.
Ana Maria: Quando eles chegaram, eles vinham com aquele carrinho, com aquele monte de coisa, agora não. Agora eles tão começando por exemplo, o Galego é um, agora ele abriu um bar, mas quando eles vieram pra cá, eles vendiam panela.
Dalva: Eles mexiam também com segurança apitar a noite nas casas.
Ana Maria: Com moto, eles passam a noite vigiando as ruas, ai cada casa paga tipo 05 reais pra eles, pra eles vigiarem se não está entrando bandido a noite.
Tamires: E quando eles chegaram, teva algum choque cultural?
Dalva: Eu acho que não teve choque cultural não.
Aluno: E escola?
Ana Maria: A escola mais próxima aqui é o Paulo José Derenusson. 
Nazir: Antigamente não tinha ônibus, não tinha nada, era bicicleta lambreta né, carroça, charrete...
Aluno: E aqui tinha creche?
Nazir: Creche não tinha não. Às vezes a gente deixava os filhos da gente sozinho.
Aluno: E as roupas eram normais?
Nazir: Não as roupas eram sim. Eu por exemplo deixava meus filhos em casa pra ir trabalhar e toda vida eu trabalhei fora. 
Aluno: E o oficial de justiça, não veio aqui não?
Dalva: Não, não veio não. Isso São coisas novas de agora, na época não tinha isso não.
Aluno: E na frente era tudo cerquinha?
Nazir: Era tudo cerca de arame, arame farpado, bambu essas coisas assim,
Aluno: E tinha muita casa de palha, barro, pau a pique?
Nazir: Tinha aquela casa que era da Vanilda era de tábua, a minha toda vida foi de tijolo, mas eu comecei fazendo aos poquinhos, devagarzinho.
Tamires: Pra vocês terem noção do tanto que a coisa era difícil, minha mãe foi comprar o primeiro sofá daqui de casas tem uns 25 anos. 
Alunos: E hoje o bairro é bom?
Nazir: Hoje é melhor do que antigamente, tem mais coisa, mais opção pra tudo, antigamente não tinha nada. 

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